domingo, 28 de agosto de 2011

Canal 37-Especial de Natal

CANAL 37-
ESPECIAL DE NATAL


Ah, o Natal. Época de renovação, de paz e de compreensão. As pessoas se reúnem para trocar presentes, cantar músicas em harmonia, para descansar e dar risada. Nas igrejas, comemora-se o nascimento do salvador, Jesus Cristo. Para algumas pessoas é a melhor época do ano, repleta de glória e beleza.
 Era 24 de Dezembro quando, na véspera de natal, Neil estava sentado em sua poltrona em seu apartamento medíocre no sexto andar de um prédio medíocre localizado em uma cidade suja e, é claro, medíocre. Mal podia pagar as contas, mas não tinha problemas em permanecer ali – dona Sueli, a síndica, sempre o deixava permanecer de graça. “De graça”, entenda, significa que todas segundas e quintas-feiras Neil fodia a maldita velha, mas não tinha escolha.
 De qualquer forma, ele agora se encontrava sozinho em sua poltrona com o controle remoto em sua mão direita e uma lata de cerveja na outra. Mudava de canal freneticamente, procurando algum canal que não exibisse propagandas de produtos natalinos ou que não estivessem fazendo retrospectivas. O mais perto disso que encontrou foi uma missa, e assistiu ao padre dizer “Irmãos e irmãs, que 2011 seja um ano ainda mais próspero para nossa Igreja! Com o nosso suor iremos expandir a nossa fé e...” Neil desligou a TV.
 Ficou ali, bebendo e olhando para o teto. Não tinha família – seus pais morreram há um bom tempo e seus irmãos o odiavam. Não se sentia triste, pois já havia se esquecido sobre o que era sentir. Porém não agüentou ficar sem fazer nada e ligou a TV novamente. Tinha um enorme impulso por assisti-la, por mais que não gostasse de nenhum dos programas estúpidos de fim de ano. Ficou novamente navegando pelos canais... Crianças cantando... Programas de Caridade... Missas... E um rosto. Ele mudou de canal, voltando rapidamente para aquele.  Não era somente um rosto. Era SEU rosto.
 Estava horrorizado. Era IMPOSSÍVEL que estivesse na televisão – ninguém parecia perceber sua existência, de modo que não apareceria em nenhum programa. Além disso, era como se estivesse olhando para um espelho, embora parecesse a ele que ELE era o reflexo e o que ele via, a realidade.
 Fechou os olhos para se acalmar. Tinha certeza que aquilo era efeito do álcool e que passaria assim que ele esfriasse a cabeça e abrisse os olhos novamente. Contou até cinco e os abriu. A TV ainda estava ligada, mas não havia nada na tela. Ela estava simplesmente preta, como se estivesse desligada. Neil relaxou, deixando-se soltar um suspiro e dando risada que durou apenas alguns segundos.
 Sentiu como se tivesse acabado de cair em um lago congelado ao perceber que uma mão segurava seu ombro com força. Reuniu toda a pouca coragem que tinha para olhar e viu exatamente o que temia. Segurando seu próprio ombro estava ele, de pé e com um horrível sorriso. Ao ver a cara de desespero de Neil, seu clone deu uma gargalha.
 “QUEM É VOCÊ?!” gritou o verdadeiro homem, levantando-se depressa e se colocando de frente para seu outro eu, de modo que ficara de costas para a televisão.
 “Ora, mas que pergunta inconveniente... Eu sou você, Neil. O verdadeiro você. Basta olhar atentamente. Eu sou mais real, e mais perfeito. Sou de uma forma que você, um mero reflexo, jamais poderia ser.”
 “Mentira! Quem é você?!” estava a ponto de molhar as calças... “Como saiu da porra da TV?!”
 “Ousas me chamar de mentiroso? Eu, que sou a única verdade? Nem mesmo os humanos poderiam prever meu poder. O que é Deus, ou mesmo o Diabo, perto de mim? Eu sou algo que você jamais – JAMAIS! – poderá ser. Meu poder se estende pelo mundo como um câncer generalizado e sem cura.”
 “Que porra é essa?! Quem é você e o que quer de mim?! QUEM É VOCÊ?!”
 “Não grite. Você insiste perguntar quem eu sou?” disse o clone, dessa vez começando a se aproximar de Neil lentamente. “Mesmo depois de todos esses anos sentado diante de mim e me cultuando como divindade não pode reconhecer minha face? Pois eu digo que você não é digno de saber meu nome, assim como não é digno de posse da própria vida. Meu caro, a hora chegou.”
 O segundo Neil deu um chute extremamente forte contra o peito do miserável homem, empurrando-o violentamente contra o monitor da TV. Entretanto, ao invés de quebrá-la, percebeu que algo estranho estava acontecendo... Seu corpo se prendeu no lugar onde deveria haver a tela, e ele entalou. Estava com metade de seu corpo DENTRO da televisão.
 Sentiu suas pernas serem puxadas cada vez mais para dentro e deu um grito mórbido de horror... Tentou se segurar nas “bordas” do aparelho, mas não poderia aguentar muito tempo... Gritou para que seu clone o ajudasse, mas este estava sentado na poltrona, rindo de seu sofrimento. Sua visão estava ficando embaçada, e continua a ser puxado... Puxado... Com mais força... Não iria aguentar por muito tempo. Sua mão esquerda se soltara e ele continuava gritando cada vez mais alto... Até que seu corpo cedeu.
 Seu corpo começou a descer enquanto sua visão sumia e ele sentia milhares braços o agarrando e o rasgando. Sua voz sumira e pouco a pouco ele sentia seu corpo se deteriorar. Tentou rezar, mas isso de nada adiantou. Sua existência se ia, e ninguém iria perceber.
 No apartamento, alguém batia à porta. Aquele falso, ou talvez o verdadeiro, Neil abriu a porta, ainda dando altas gargalhadas. À sua frente estava dona Sueli, a velha síndica. Quando ela o desejou feliz natal, ele deu algo que poderia ser um sorriso e a mandou entrar, tocando seu rosto e apagando a luz.
 Uma suave brisa entrava pela janela quando, naquele apartamento medíocre no sexto andar de um prédio medíocre, a TV mostrava uma linda cena onde as pessoas cantavam felizes músicas natalinas.  Entre as pessoas, um homem que parecia cansado e desiludido da vida. Um homem medíocre. 

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